Educação Matemática para Pedagogos: O que é Essencial?
Para muitos, a Matemática é um bicho de sete cabeças. Para mudar essa visão, o professor precisa acolher o erro como um degrau necessário, em que o aluno entende que quem erra tem mais chances de testar hipóteses, construir significados e se engajar de verdade no aprendizado.

Texto: Cláudio Marques e Ênio Silveira
Se existe uma disciplina que provoca calafrios em boa parte dos professores dos Anos Iniciais, essa disciplina é a Matemática. O receio muitas vezes nasce na formação inicial, na graduação em Pedagogia, quando muitos futuros docentes vivenciam um ensino fragmentado, distante da realidade escolar ou, pior, marcado por experiências negativas anteriores como alunos.
O resultado? Professores inseguros, que transmitem esse sentimento às crianças, perpetuando a ideia de que Matemática é difícil, inalcançável, só para “gênios”. Contudo, não precisa ser assim. Educar é, também, (re)significar saberes, e com a Matemática não é diferente, pois é possível transformá-la em ferramenta de leitura crítica do mundo.
Mais do que Contas: O Papel da Matemática na Formação Cidadã
Nos primeiros anos escolares, a Matemática não deve ser reduzida à mera repetição da tabuada, embora ela seja importante para agilizar cálculos e resolver problemas do dia a dia. Mais do que decorar, é essencial compreender e aplicar esse conhecimento de forma significativa. O foco deve estar no desenvolvimento do raciocínio lógico, na resolução de problemas, na capacidade de argumentar, estimar e interpretar informações num mundo repleto de dados e tecnologias em permanente transformação.
Além de ensinar a calcular, a escola tem a missão de formar cidadãos capazes de tomar decisões conscientes, de compreender o mundo à sua volta e posicionar-se criticamente. E, sim, é possível potencializar essa formação por meio da Matemática.

A Formação do Pedagogo: Um Desafio Ainda em Aberto
Boa parte dos cursos de Pedagogia dedica uma carga horária relativamente pequena à Matemática. E, quando esse conteúdo aparece, muitas vezes está centrado em revisar conceitos do ensino básico ou em apresentar metodologias superficiais, sem uma discussão pedagógica propositiva à didática a ser futuramente aplicada.
O essencial para o pedagogo é compreender como as crianças aprendem matematicamente. Isso inclui saberes sobre o desenvolvimento cognitivo, o uso de materiais concretos, a importância do erro como parte da aprendizagem e a necessidade de contextualizar os conteúdos. Dessa forma, uma boa pedagogia passa pelo entendimento de cinco pontos fundamentais:
- Não precisa dominar trigonometria, por exemplo, mas é fundamental entender as operações básicas e seus significados.
- Conhecer as etapas do desenvolvimento matemático infantil.
- Saber utilizar recursos concretos, como propôs Montessori.
- Utilizar jogos, histórias, brincadeiras e situações do cotidiano para ensinar, garantindo a contextualização defendida por Freire.
- Ter clareza dos objetivos de aprendizagem de cada etapa, como exige uma escola democrática, segundo Anísio Teixeira.
- Estar aberto ao erro como caminho para o acerto e fazer as mediações necessárias, como reforçou Vygotsky.
O Medo do Erro e a Cultura da Resposta Certa
Vivemos em uma cultura escolar que valoriza respostas prontas, rápidas e assertivas. Essa lógica, muitas vezes reforçada por avaliações tradicionais e pela pressão por resultados, mina a curiosidade e a coragem de explorar. Para ampliar tal visão, o professor precisa acolher o erro como um degrau necessário para o processo de aprendizagem. Mostrar não saber algo é o primeiro passo para aprender.
Na Matemática, esse acolhimento é um alicerce importante para a construção do conhecimento. O aluno que não teme errar sente-se mais à vontade para testar hipóteses, construir significados e se engajar de verdade. Nesse contexto, o erro deixa de ser visto como fracasso e passa a ser um indicativo de movimento e de ação, afinal de contas, só pode errar aquele que tenta acertar.
Outro ponto importante é que, ao valorizar os processos de aprendizagem e não apenas as respostas certas, o professor contribui para a formação de sujeitos críticos e autônomos. Ao estimular estratégias como a resolução coletiva de problemas e a escuta ativa, é possível construir um ambiente seguro para aprender. Assim, a Matemática deixa de ser um campo de certezas absolutas e se torna um espaço de investigação, diálogo e construção conjunta de saberes.
Boas Práticas: Quando o Concreto Vira Conteúdo
Atividades com materiais manipuláveis, como blocos lógicos, ábacos, tampinhas, jogos de tabuleiro e atividades com receita culinária ou de medição de espaços, são exemplos de como a Matemática pode ser aproximada do cotidiano dos estudantes e, desse modo, ser vivenciada antes de ser simbolizada.
Essas interações colaboram para a criança construir significados a partir da ação, do toque, da observação e da experimentação.
Antes de apresentar os conceitos, as crianças precisam compreendê-los. Para isso, precisam tocar, ver, brincar, experimentar. Essas são as bases essenciais para garantir a compreensão futura e o desenvolvimento do pensamento abstrato. O conteúdo que nasce da experiência concreta se torna mais significativo e duradouro.
O professor que integrar o lúdico e o cotidiano ao ensino da Matemática amplia as possibilidades de aprendizagem e atende aos diferentes estilos cognitivos. A transição do concreto para o simbólico, quando respeita o tempo e o ritmo de cada criança, fortalece a autonomia intelectual e contribui para a formação de sujeitos que pensam, questionam e resolvem problemas com criatividade.
Alfabetização e Matemática: Uma Parceria Necessária
Outro ponto essencial é a articulação entre a alfabetização e o letramento matemático. A criança que não compreende o enunciado não consegue resolver um problema. Logo, leitura e Matemática andam de mãos dadas. Nesse sentido, o pedagogo alfabetizador também precisa compreender que ensinar Matemática é ampliar o repertório de linguagem, trabalhar com diferentes gêneros textuais (como gráficos, tabelas, listas, mapas) e criar oportunidades reais de uso da Matemática no dia a dia.
A pesquisa Alfabetiza Brasil, divulgada pelo MEC e pelo Inep, traz dados relevantes sobre o cenário da alfabetização matemática no país: apenas 47% das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental atingiram o domínio mínimo esperado em Matemática e apenas 56% registraram um nível adequado de alfabetização em Língua Portuguesa. Os resultados evidenciam a urgência de combinar práticas pedagógicas que articulem o desenvolvimento da linguagem com o raciocínio lógico desde os primeiros anos escolares.
Essa combinação não é apenas sobre ensinar a ler os problemas matemáticos, mas também, e principalmente, ajudar a desenvolver a capacidade de interpretação das informações numéricas, de reconhecer padrões, de estimar quantidades e de aprender a tomar decisões com base em dados.

Apesar da fama de “bicho-papão”, a Matemática pode — e deve — ser uma aliada nos Anos Iniciais. Mais do que decorar fórmulas, é essencial compreender conceitos, desenvolver o raciocínio lógico e nutrir a confiança dos pequenos.
E Quando o Próprio Professor Não Gosta de Matemática?
Reconhecer essa dificuldade é o primeiro passo. Buscar formação continuada, conversar com colegas, trocar experiências, participar de grupos de estudo e, sobretudo, permitir-se reaprender é essencial.
Muitos professores descobrem a beleza da Matemática ao ensiná-la de forma significativa. Quando o foco muda do “acerto rápido” para a “compreensão real”, tudo muda. Inclusive o prazer em ensinar. A seguir, algumas sugestões:
- Cursos online gratuitos oferecidos por universidades públicas e pelo Ministério da Educação.
- Podcasts e canais de educação disponíveis na internet.
- Grupos de formação em redes municipais e estaduais.
- Leitura de autores e pesquisadores sobre o ensino da Matemática para os Anos Iniciais, como Kamii, Nacarato, Lorenzato, Perrenoud, Montessori e Vygotsky, além de grandes referências brasileiras, como Anísio Teixeira e Paulo Freire.
Por uma Nova Cultura Matemática
A transformação do ensino da Matemática nos Anos Iniciais passa por um movimento coletivo, que exige formação contínua dos professores e revisão criteriosa dos materiais didáticos — fundamentais para orientar o trabalho pedagógico e garantir a qualidade da aprendizagem. Esses materiais devem integrar como recursos didáticos e tecnológicos atualizados, ampliando as possibilidades de uso para toda a comunidade escolar e fortalecendo práticas inovadoras e eficientes.
Dessa forma, o pedagogo não precisa ser matemático, mas precisa compreender a Matemática como linguagem, como forma de pensar, como ferramenta de emancipação. Tal qual defende Paulo Freire, educar é um ato político, é um direito de todos, consoante a Anísio Teixeira.
Desmistificar é tirar o peso, a culpa, o medo. É ensinar com alegria, significado e sentido. É, como Montessori propôs, confiar na capacidade natural da criança para aprender, e como Vygotsky sugeriu, criar contextos sociais ricos e desafiadores. Isso é essencial.
Cláudio Marques
É professor, palestrante e autor de obras didáticas de Matemática publicadas pela Editora Moderna. Atua na transformação do ensino da Matemática, despertando pensamento crítico, autonomia e criatividade em estudantes e educadores.
Ênio Silveira
É engenheiro, professor, diretor escolar e autor de obras didáticas de Matemática publicadas pela Editora Moderna. Dedica sua trajetória à construção de uma educação de excelência, tornando a matemática mais acessível, viva e significativa.
Para Saber Mais
- BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Alfabetiza Brasil: Inep publica relatório da pesquisa Alfabetiza Brasil, 4 de dezembro de 2023. Disponível em: https://mod.lk/ed27_pc1. Acesso em: 12 ago. 2025.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
- MONTESSORI, Maria. A descoberta da criança: Pedagogia científica. Tradução de Aury Brunetti. Campinas: Kírion, 2017.
- VYGOTSKY, Lev Semyonovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
- TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
