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Perspectivas e mudanças no Saeb 2025

A mais importante avaliação da Educação Básica muda sua matriz, buscando maior proximidade com a Base Nacional Comum Curricular. Veja como as mudanças serão refletidas a partir de agora.

Texto: Ricardo Prado

O sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) existe desde 1990; portanto, há 35 anos. Mas só se tornou eficaz a partir de 1995, quando passou por uma revisão metodológica que permitiria a comparação dos desempenhos ao longo dos anos. Até então o país só analisava, em termos educacionais, a oferta de matrícula e o fluxo. Em relação à qualidade do ensino e à progressão dos alunos, caminhava-se no escuro. Foi somente a partir do Saeb que a aprendizagem de Língua Portuguesa e de Matemática passou a ser aferida regularmente, em provas censitárias, ou seja, realizadas pelo conjunto das redes públicas, e amostrais na rede privada. As médias do desempenho escolar apuradas por esse exame, juntamente com as taxas de aprovação, reprovação e abandono levantadas pelo Censo Escolar, passaram a compor o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), um norteador que estipula metas a ser alcançadas por redes e por escolas.

Mas o papel do Saeb não se resume a avaliar a aprendizagem dos alunos. Por meio de questionários específicos, dirigidos aos gestores, aos professores e às famílias dos alunos, o sistema permite a geração de dados contextualizados que serão úteis para iluminar diversos aspectos da oferta educacional, se espraiando por diversos aspectos, que vão da qualidade do ensino às condições de infraestrutura. Questionários preenchidos por gestores, professores e familiares também coletam informações importantes sobre a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, provas amostrais introduzidas em 2013 passaram a avaliar a aprendizagem em Ciências da Natureza e em Ciências Humanas, e, em 2019, passaram a integrar definitivamente o exame feito pelos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio na Educação Básica.

Alinhamento à BNCC

Em 2025, o exame passou por novidades, com a inclusão de novos descritores (que são habilidades a ser desenvolvidas pelo aluno dentro de uma disciplina) mais alinhados à BNCC. Assim, por exemplo, quando comparadas às matrizes de 2001 e a atual, de 2018, o exame de Matemática do 5º ano terá 22 descritores novos dentre um conjunto de 56 descritores. Em Língua Portuguesa, para o mesmo ano, de 27 descritores, seis são habilidades que não constavam nos exames anteriores. Isso vale também para os alunos do 9º ano.

De certa forma, o Saeb 2025 será um teste para se avaliar o grau de aderência da BNCC junto aos professores, oito anos depois de sua aprovação. Uma mudança não sem riscos, como veremos, mas necessária, já que o currículo mudou e, consequentemente, a avaliação precisa se adequar ao novo cenário. O economista Reynaldo Fernandes, que esteve entre 2005 e 2009 à frente do Inep, órgão do MEC responsável pela aplicação do Saeb, conhece bem a necessidade, tanto de alteração quanto da perfeita calibragem dos itens, para que a série histórica não seja comprometida. Ele compara essa necessidade de ajuste à vivida pelos pesquisadores do IBGE, que, para calcular os produtos que entram no cálculo do PIB, precisam fazer sucessivas adaptações desde as primeiras pesquisas, nos anos 1950. “Naquela época havia banha de porco, mas não havia iPhone. Isso vale para os novos descritores do Saeb que estão entrando na matriz. Só que mudanças muito bruscas podem trazer algum ruído; é bom que essa mudança se faça lentamente. Rigorosamente, para conseguirmos avaliar a evolução, teríamos que manter a mesma prova”, observa Fernandes.

A responsabilidade ao se mudar algo nesse exame é grande, pois “o que é medido no Saeb tende a se tornar foco de ensino nas escolas, influenciando diretamente o cotidiano das salas de aula”, frisa César Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação. “Nesse sentido, preocupa o fato de que, atualmente, grande parte dos itens em Língua Portuguesa e em Matemática é composta por questões de baixa demanda cognitiva. E a inserção crítica e autônoma dos estudantes na vida social, acadêmica e profissional exige mais do que o domínio de habilidades básicas. Em leitura, por exemplo, exige a capacidade de ler e compreender textos longos e variados, formular hipóteses, analisar informações, argumentar com base em evidências e propor soluções para problemas diversos. Em outras palavras, pensar de forma crítica e criativa”, observa. Ele exemplifica Portugal e Reino Unido como países que incorporaram à sua avaliação nacional de leitura itens que exigem compreensão global de textos integrais. “O mesmo ocorre em avaliações internacionais como o Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), que adota uma abordagem mais rica e contextualizada da leitura, considerando aspectos como propósito, inferência, interpretação e apreciação do texto.”

Callegari cita outras experiências que têm referenciado os estudos em torno do Saeb, como o TIMSS e o Pisa. “O TIMSS é organizado pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement) e fornece a cada quatro anos dados para cerca de 70 países sobre o desempenho de crianças do 4º ano e do 8º ano do Ensino Fundamental em Matemática e em Ciências. O Brasil aderiu ao TIMSS e participou pela primeira vez na edição de 2023.”

Especialista em avaliação escolar, Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, começa sua análise sobre a introdução da nova matriz no Saeb ponderando que a BNCC surgiu no bojo de uma crise política que culminaria com a ascensão de Michel Temer ao poder, após o afastamento da presidente Dilma Rousseff pelo Congresso Nacional. A criação de um currículo nacional unificado, se era defendida por muitos educadores, também foi questionada por diversos setores que entendiam que a vastidão do país inviabilizaria a criação de um único currículo e que as diferenças regionais seriam negligenciadas em prol de uma suposta uniformização curricular. “Desigualdade não se combate com alteração curricular. Uma coisa é Brasília decidir que o currículo é esse, inclusive obrigando as editoras, se quiserem participar do Programa Nacional do Livro Didático, a se enquadrarem nele. Essa decisão, que emana do poder central, não necessariamente vira realidade nas salas de aula. E não por incapacidade ou má vontade dos professores, mas porque já há uma tradição curricular”, comenta Ocimar, destacando que os próprios livros didáticos pré-BNCC não deixavam de apresentar uma proposta curricular embutida neles. E lança uma pergunta: “‘A BNCC está efetivamente presente na sala de aula?’. Um conceito que eu tenho utilizado é o de validade curricular. Ou seja, se eu vou fazer um teste como o do Saeb, com determinado conteúdo, uma pergunta que tem que ser feita é esta: ‘Esse conteúdo está sendo desenvolvido nas escolas?’”.

Em relação à aderência dos professores à BNCC, Cesar Callegari observa que, no início do ano letivo de 2020, boa parte das redes públicas municipais e estaduais declararam que seus currículos estavam alinhados à BNCC. “Contudo, poucas foram as escolas e as redes de ensino que se mobilizaram para construir de forma participativa seus próprios currículos. A BNCC jamais pretendeu ser currículo. Ela é, sim, uma inspiração para a elaboração autoral de currículos e projetos pedagógicos das escolas e seus professores a partir da enunciação dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. Essa tarefa ainda haverá de ser cumprida”, salienta o presidente do CNE.

Respostas Construídas, Outra Novidade

A edição 2025 do Saeb também traz, pela primeira vez, respostas construídas pelos alunos. Itens de múltipla escolha e questões dissertativas de Língua Portuguesa e de Matemática são apresentadas aos alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª e 4 ª séries do Ensino Médio. E os alunos do final do Ensino Médio também passam a fazer provas com respostas construídas em Ciências da Natureza e em Ciências Humanas.

A inclusão de respostas construídas poderia, em tese, estender o prazo para as escolas receberem suas pontuações e suas análises de desempenho – prazo este que costuma ser bastante dilatado: em média, demora um ano para os gestores escolares receberem as pontuações de suas escolas. Muitos deles, e também pesquisadores, criticam essa demora. “Na dinâmica de uma escola, quando os dados do Saeb chegam, geralmente no final do segundo semestre do ano seguinte ao do exame, a escola já está fechando para balanço. Então ela vai olhar os dados, e eventualmente analisá-los, só no outro ano, quando já tem a outra prova do Saeb, que acontece a cada dois anos. Essa distância temporal entre o momento de aplicação e quando você divulga os resultados é um problema”, comenta Ocimar Alavarse.

Para contornar esse prazo dilatado, muitas redes passaram, também, a realizar seus próprios exames de avaliação de aprendizagem, como São Paulo, que criou o Saresp, e o Rio Grande do Sul, com seu Saers, ambos lançados ainda na década de 1990. Atualmente, 20 dos 28 estados brasileiros contam com sistemas próprios de avaliação se sobrepondo ao Saeb, além de algumas capitais, que também criaram seus mecanismos de aferição. “Há um uso dos dados do Saeb que é mais gerencial, que são os gestores querendo saber como é que estão as escolas deles em relação aos outros estados ou municípios. Já essa avaliação de caráter mais formativa o Inep tem dificuldade de fazer. Os estados foram para as suas avaliações porque eles querem ter a identificação do desempenho do aluno e da escola”, explica Reynaldo Fernandes.

O ex-presidente do Inep comenta que, para suprir esse tipo de demanda mais específica, além dos exames regionais, existem instituições como o Caed (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Com parcerias firmadas junto à maioria dos estados, a instituição trabalha a partir dos dados obtidos junto ao Saeb e às avaliações estaduais, identificando pontos fracos e fortes e buscando criar mecanismos para a superação das dificuldades.
Callegari concorda com as limitações do Saeb neste aspecto: “Por sua metodologia e composição, ele não oferece resultados individuais aos participantes, apenas para turmas, escolas, redes e outros segmentos agregados. O que ainda falta ser elaborado e disponibilizado é um relatório pedagógico de interpretação de resultados que permita a cada escola situar-se no contexto da avaliação aplicada”.

Bloqueio de Microdados

Entre os dados do Saeb e seus melhores analistas, no entanto, surgiu um impasse ligado a uma interpretação bastante ampla da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) dada pela gestão Bolsonaro a partir de supostos riscos de identificação de alunos. A partir desse entendimento, ocorrido em 2020, o Inep retirou ou transformou diversas variáveis consideradas sensíveis dos microdados do Enem, do Saeb 2019 e do Censo Escolar até 2020, como o código da escola (identificação institucional), o município de residência e o município de nascimento dos alunos, a idade exata (substituída por faixa etária) e as informações sobre atendimento especializado. Segundo pesquisadores ligados à análise de microdados, essa interpretação jurídica questionável tem impedido o acesso a informações importantes, conforme destaca uma nota pública de repúdio à decisão do Inep assinada em fevereiro de 2022 pela Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e outras 32 organizações. Até agora, o bloqueio aos microdados do Saeb e do Censo Escolar continua valendo.

A Avaliação em Sala de Aula

“O problema da avaliação está na sala de aula”, afirma Alavarse. Para ele, é preciso melhorar a qualidade da avaliação que os professores fazem junto às suas turmas, superando o que chama de “paradoxo docente da avaliação educacional”, que se fundamenta no fato de que os professores pouco, ou nada, aprendem sobre avaliação em seus cursos de licenciatura. “O professor aprende a avaliar é na vida. No final do ano, ele tem que atribuir uma nota, que é a expressão da avaliação. E essa nota tem que ter validade. Várias pesquisas indicam que os professores, para se decidirem por uma nota, adoram levar em conta a participação do aluno, o seu caderno, a realização de tarefas, o comportamento etc. Eu não estou discutindo a importância desses aspectos, mas isso não é a expressão da aprendizagem. Sem contar que são dimensões cuja apreensão está muito marcada pela subjetividade”, destaca, observando que esses critérios podem, injustamente, prejudicar os tímidos e beneficiar os falastrões. “Tem aquele aluno que perde ponto pelo comportamento. Ora, se ele tem um comportamento indesejado, que o atrapalha e também os colegas, isso tem que ser enfrentado. Mas essa é uma questão disciplinar, não avaliativa”, resume.

A Saeb na Escola

Bianca Helena Emmerich do Rego é vice-diretora da Escola Estadual Brigadeiro Faria Lima, unidade voltada ao atendimento em período integral de estudantes nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na cidade de São Paulo. A escola tem 300 alunos, e, segundo ela, ao longo do ano, a equipe gestora e os professores realizam inúmeras rodas de conversa sobre a importância do Saeb para a escola e para a melhoria da educação pública em geral. “Criamos um ambiente de apoio e oferecemos preparação adequada tanto para os estudantes quanto para os professores, em formações específicas”, explica, destacando que o corpo docente da escola também aplica exames simulados.

Como gestora, sua principal preocupação é que a escola atinja o comparecimento mínimo de 80% dos alunos para que possa ser incluída no cálculo do Ideb e nas avaliações de desempenho acadêmico. “O índice de presença no dia a dia da escola já é alto, no nosso caso, que somos uma escola de Anos Iniciais. Mas, em casos específicos, realizamos busca ativa por meio de ligações e mensagens, além das conversas com as famílias, para sensibilizá-los da importância da presença dos estudantes no dia do Saeb”, finaliza Bianca. Essa exigência de pelo menos 80% dos alunos matriculados realizarem a prova é recente. Foi estabelecida por uma portaria em setembro de 2022 e visa garantir que os resultados do Saeb reflitam a realidade da escola e não sejam influenciados por uma amostra muito pequena de alunos. 

Outra inovação do Saeb 2025 é a inclusão dos estudantes da educação especial do 9º ano, com provas em Braile ou em tamanho ampliado, e presença de profissionais de apoio. Indagada como procederia em relação a esse novo público do Saeb, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo declarou, por meio de sua assessoria de comunicação, que “a Prova São Paulo, por exemplo, já oferece instrumentos acessíveis, como provas ampliadas, em Braile, com interpretação em Libras, audiodescrição, escriba, ledor e tempo ampliado para realização. Com base nessa experiência, a SME realizará os ajustes necessários para atender às mudanças anunciadas pelo Inep para 2025”.

“Algo pode acontecer em relação aos dados do Ensino Médio, por conta das idas e vindas da implementação da Reforma do Ensino Médio e da heterogeneidade na forma como as redes de ensino estão organizando o novo currículo”, observa Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais, ao ser indagado sobre essa possibilidade. “É bastante provável que os resultados dos estudantes das 3ª e 4ª séries do Ensino Médio apresentem discrepâncias em relação à série histórica registrada pelo Saeb”, avalia, para, em seguida, ponderar: “Essa possível ruptura na comparabilidade longitudinal dos dados, embora relevante do ponto de vista estatístico, não deve ser vista como o maior problema ou como obstáculo intransponível. A manutenção estrita de uma série histórica, por mais útil que seja para análises de tendência, é menos importante do que garantir que as avaliações reflitam os objetivos centrais da educação e contribuam para orientar os projetos pedagógicos das escolas”, destaca o especialista mineiro em avaliação escolar. Se a reforma do Ensino Médio influenciará ou não a série histórica, se a BNCC foi abraçada pela maioria dos professores do país ou não, são perguntas que só saberemos em 2026, quando os dados do Saeb 2025 se transformarem de números em instrumentos de análise.


Para saber mais

  • BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.
  • Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
  • Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://mod.lk/ed27_ps1. Acesso em: 30 jul. 2025.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: https://mod.lk/ed27_ps2. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Brasília, DF: Inep, 2024. Disponível em: https://mod.lk/ed27_ps3. Acesso em: 30 jul. 2025.
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