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Verdadeiro ou falso?

Fenômeno das fake news põe em xeque a capacidade reflexiva e investigativa e confirma a Competência em Informação, intrínseca dos bibliotecários, como pré-requisito para interagir em ambientes digitais de expressão e construção do conhecimento.

Texto: Lara Silbiger | Ilustração: João Montanaro

Ao que tudo indica, o velho ditado “a mentira tem perna curta” está ultrapassado. Hoje as notícias fraudulentas — também conhecidas como fake news – têm 70% mais chances de viralizar que as verdadeiras, segundo revela um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology) publicado em março deste ano na revista Science. Nesse cenário de incertezas, desenvolver habilidades, atitudes e a Competência em Informação – campo de estudo da Biblioteconomia – para avaliar o nível de confiabilidade de qualquer notícia virou questão de sobrevivência no ciberespaço. 

Para navegar com segurança e não se tornar presa fácil das fake news, o primeiro passo é reconhecer os mecanismos que estão por trás delas. Entre eles, está a chamada clickbait, uma disputa por cliques como fonte de renda na internet. Quanto mais gente acessa os links, mais dinheiro de publicidade entra no bolso dos proprietários de sites. “Com isso, disseminar notícia — independente da sua procedência e veracidade — acabou virando negócio. Ganha quem tiver as manchetes mais chamativas e sensacionalistas, com carga dramática ou polêmica”, afirma o bibliotecário Leonardo Ripoll, mestrando em Gestão da Informação na UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina). 

Os interesses puramente comerciais, no entanto, não são os únicos propulsores desse tipo de informação. Há grupos de diversos espectros políticos e ideológicos que também fazem uso dela em sites e redes sociais. Um dos casos mais emblemáticos se deu na eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, em 2016, quando se levantaram suspeitas de que fake news tivessem influenciado o debate à disputa norte-americana. Quatorze meses depois, uma pesquisa publicada pelo cientistas políticos Brendan Nyhan (Dartmouth College), Andrew Guess (Princeton University) e Jason Reifler (University of Exeter) mostrou que, durante a campanha, 27% do eleitorado (65 milhões de pessoas) leram ao menos um texto de sites de fake news e que a maioria das visitas a esses sites (65%) procedia de um grupo formado por 10% dos eleitores identificados como mais conservadores.

Nesse cenário de incertezas, as fake news ganham ainda mais fôlego com a enxurrada de conteúdos lançados diariamente sobre os usuários. “Não bastasse a explosão informacional, que eleva o volume de informações a um nível muito mais difícil de acessar e interpretar, soma-se a isso a mistura de informação verídica com informações e dados falsos, propagados muitas vezes de forma negligente e até intencional”, constata Ripoll em seu artigo Zumbificação da informação: a desinformação e o caos informacional. Como consequência, ele destaca a perda da criticidade em atividades usuais como a leitura e a interpretação, seguida da mecanização do comportamento das pessoas em relação à informação. “A tal ponto que acabam agindo como propagadoras de poluição informacional”, explica.

Compartilhamento indiscriminado 

De acordo com a pesquisa do MIT, liderada pelo cientista Soroush Vosoughi, em Cambridge, as informações falsas se disseminam mais rápido e com maior alcance que as verdadeiras, o que fica ainda mais evidente quando o tema é política. A conclusão é fruto da análise de 126 mil notícias compartilhadas no Twitter 4,5 milhões de vezes, entre 2006 e 2018, por 3 milhões de pessoas. 

Nesse universo, os pesquisadores identificaram que, enquanto a verdade raramente chegava a mais de mil usuários, as fake news rotineiramente alcançavam mais de 10 mil pessoas. Para entender a participação dos bots nesses números, os estudiosos usaram uma sofisticada tecnologia de detecção para remover da análise os compartilhamentos gerados por eles. Ainda assim, as estatísticas mostraram que as notícias falsas se espalharam na mesma proporção e para a mesma quantidade de pessoas, revelando que os responsáveis pela viralização são os próprios usuários. 

O resultado fez os cientistas direcionarem seus olhares para os usuários. E, ao contrário do que supunham, descobriram que quem mais divulgou notícias falsas tinha menos seguidores. O dado intrigante os levou a analisar o que potencializava a disseminação. Para começar, os tweets falsos traziam mais novidades que os verdadeiros, com informações que os usuários jamais tinham visto na rede social. Além disso, provocavam diferentes reações emocionais em quem os replicava, com expressões exacerbadas de surpresa, medo ou revolta. 

A explicação para esse fenômeno está no conceito da pós-verdade, segundo o qual a adesão a crenças pessoais, apelos emotivos e sensações subjetivas acabam influenciando mais a formação da opinião pública que a própria objetividade dos fatos. “O desejo de que algo seja verdadeiro muitas vezes acaba se sobrepondo à realidade”, comenta Ripoll. 

Outro fator que ajuda a viralizar notícias fraudulentas, criadas deliberadamente para enganar não só pela mentira, mas pela imprecisão e polarização, é o chamado viés de confirmação. Trata-se de uma tendência cognitiva que faz as pessoas terem mais propensão de lembrar, pesquisar ou interpretar fatos e informações que confirmem suas ideologias. O problema se agrava quando se tem em conta que nem sempre o ato de compartilhar tem como objetivo final informar. “As pessoas não necessariamente leem tudo que replicam. Muitas vezes, é apenas um impulso narcísico, uma busca por interação”, diz o bibliotecário.

Caça-boatos

Uma turma de 25 alunos do Ensino Médio do Colégio Super Ensino, em Ourinhos (SP), está se especializando no que eles chamam de HoaxBusters (em português, caçadores de boatos). Aliás, esse é o nome do site de checagem de notícias que eles mesmo desenvolveram – liderados pelo professor Estêvão Zilioli, coordenador de tecnologia educacional do colégio – e que deve ser lançado no segundo semestre deste ano. A iniciativa é fruto da participação de Zilioli no programa Google Innovators 2017, do qual derivou o projeto de combate a fake news na escola. Os encontros com os estudantes se dão no contraturno das aulas, sempre às sextas-feiras. O desafio é determinar o grau de confiabilidade das notícias selecionadas naquele dia como estudo de caso. A trilha de checagem dá origem a infográficos que, por sua vez, alimentarão o site do projeto. “É uma experiência que deixa o senso crítico dos alunos cada vez mais apurado. Assim, vão deixando de ser consumidores passivos da informação”, afirma.

Em busca de verdades

Na obra Oração aos Moços, Rui Barbosa já dizia que “vulgar é o ler, raro o refletir”. Hoje, provavelmente, ele diria que vulgar é o compartilhar, raro o ler, escasso o refletir. “O cognitivo já não dá conta de ler tudo que lhe é enviado pelas redes sociais e WhatsApp, o que gera cegueira diante de tanta informação”, diz Ripoll.

Para tirar as vendas e navegar com segurança no ciberespaço, é fundamental que as pessoas aprendam a buscar informações e gerenciá-las em favor da construção do conhecimento. Essa demanda resgata a importância da figura do bibliotecário, cujas habilidades o destacam entre as dez profissões mais promissoras da próxima década, segundo revela a pesquisa O futuro das habilidades: empregabilidade em 2030, realizada pelo grupo Pearson em parceria com a fundação Nesta e a Oxford Martin School. O estudo se baseou na análise de sete tendências globais com maior probabilidade de impactar o futuro do trabalho: mudança tecnológica, globalização, mudança demográfica, sustentabilidade ambiental, urbanização, desigualdade crescente e incerteza política. A partir de entrevistas com especialistas dessas áreas, que alimentaram um algoritmo de machine learning (sistema autodidata), foi possível prever os empregos e as habilidades que teriam aumento ou queda na demanda até 2030.

O bibliotecário do futuro, porém, está longe de ser um guardador de livros. “A partir do momento em que a informação migrou para o meio virtual e virou commodity, toda a teoria de pesquisa do impresso começou a ser adaptada. É um movimento recente, com os profissionais se atualizando agora”, explica Ripoll. Segundo ele, o bibliotecário assumirá o papel de mediador, com foco na criticidade do pensamento. “Caberá a ele avaliar a procedência da informação, de que modo e por que chegou ao usuário, o que está nas entrelinhas, entre outros parâmetros.”   

Nativos sim, fluentes (por enquanto) não

Ainda paira o mito de que a geração nativa digital nasceu sabendo navegar na internet. As escolas, porém, já sabem há tempos que a realidade não é tão simples assim. A inclusão no meio digital não acontece naturalmente.

A Competência em Informação prega a necessidade de alfabetizar digitalmente os cidadãos para que se tornem competentes no mundo informacional, com habilidades específicas para atuar no ciberespaço. Entretanto, ainda são raras as iniciativas de formação nas bibliotecas escolares do país. “Em tempos de fake news e Wikipedia, é preciso muito mais que apenas se colocar à disposição do aluno para ajudar em uma pesquisa na web. Em parceria com os professores, o bibliotecário deve propor minicursos e ações que ensinem onde encontrar uma informação confiável e como reconhecê-la”, comenta a bibliotecária Gisele Pinna, mestre em Ciência da Informação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ela ainda sugere que esses programas de formação aumentem gradativamente o grau de dificuldade de acordo com a etapa de ensino. “Com os anos finais, por exemplo, é possível explorar parâmetros de checagem da informação, como as normas da ABNT e a estrutura de um artigo científico”. 


João Montanaro

é um cartunista, chargista e ilustrador brasileiro, nascido em 1996. Começou a desenhar aos seis anos, copiando desenhos na televisão e tiras de jornal, tendo publicado suas primeiras tiras em um blog pessoal. Aos doze anos, teve sua primeira publicação na revista MAD. Em 2010, tornou-se chargista da Folha de S. Paulo. É autor de dois livros: “Cócegas no Raciocínio”, premiado com um Troféu HQ Mix como melhor publicação de cartuns em 2011, e “Eu Não me Arrependo de Nada”, além de ter participado da coletânea MSP Novos 50, dos Estúdios Maurício de Sousa e do projeto Osmose, de intercâmbio entre ilustradores brasileiros e alemães, patrocinado pelo Goethe Institut.

Para saber mais

  • Artigo – Zumbificação da informação: a desinformação e o caos informacional – mod.lk/zumbinfo
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