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Equação de crescimento

Fica cada vez mais evidente como a elevada proficiência em matemática contribui para o desenvolvimento profissional das pessoas e o crescimento socioeconômico dos países. 

Vista da tecnológica.  capital da Coreia do Sul. 

Texto: Fernando Leal

A matemática sempre foi considerada uma área de estudo essencial na trajetória da Educação Básica e na formação superior de diversas profissões. No entanto, a educação matemática de qualidade vem sendo olhada sob novas lentes: torna-se cada vez mais evidente como essa competência contribui para o crescimento das pessoas e o desenvolvimento socioeconômico dos países. 

Na prática, trata-se de um círculo virtuoso que se autoalimenta. Indivíduos com boa aprendizagem em matemática têm acesso a melhores oportunidades de emprego, especialmente em setores de alta demanda, como aqueles associados à inovação e à tecnologia. 

As atividades com aplicação intensiva da matemática, por sua vez, impulsionam o desenvolvimento econômico do país, que continua a investir em educação e inovação, gerando ainda mais oportunidades e fortalecendo a economia no longo prazo. Desse modo, o progresso educacional e o crescimento econômico se reforçam mutuamente. 

“A matemática tem potencial enorme e crescente para produzir riqueza e gerar desenvolvimento”, afirma Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O impacto positivo vem, entre outros, do fato de que os fundamentos matemáticos estão na base da maioria das inovações e frequentemente presentes em avanços significativos em áreas tão diversas quanto a agricultura — na otimização do uso de água e fertilizantes, por exemplo — e a medicina, com o uso intensivo de dados em diagnósticos e tratamentos. Além disso, não se pode perder de vista que o maior domínio das competências matemáticas também alavanca a produtividade geral dos trabalhadores na economia.

Tais conceitos nortearam a criação do Impa Tech, um bacharelado em Matemática da Tecnologia e Inovação. “Trata-se de uma graduação para formar profissionais de alto nível, conhecedores das ferramentas matemáticas, incluindo computação, ciência de dados e inteligência artificial, com a perspectiva de inserção no setor produtivo e na administração pública”, destaca o diretor. “É para fazer o país avançar”, acrescenta. 

Qualificação e renda no mundo

Uma das primeiras iniciativas a evidenciar a relação estreita entre educação matemática e salários foi o Programa para a Avaliação Internacional de Competências de Adultos (Piaac), um estudo internacional que visa avaliar as competências de jovens e adultos e a sua relação com o mercado de trabalho. O Piaac é promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e a edição inaugural transcorreu entre 2012 e 2018, em 39 países. O segundo ciclo abrangeu 31 países e economias entre 2022 e 2023, com resultados a ser divulgados no final deste ano. 

Os dados mostram que o salário médio por hora dos trabalhadores com alta qualificação supera em mais de 60% o dos trabalhadores com baixa qualificação. “Relações como esta não se referem somente aos indivíduos, mas também se aplicam aos países: o salário per capita são maiores nos países com menor proporção de adultos nos níveis mais baixos de competência, e com maior proporção de adultos que alcançam os mais altos níveis de competência leitora e matemática”, afirma Marta Encinas-Martín, conselheira sênior da OCDE para a América Latina. 

A especialista coordenou o primeiro ciclo do estudo e é autora do documento que traz os principais resultados e conclusões: La educación en competencias fundamentales y su incidencia en el empleo (Educação em competições fundamentais e seu impacto sobre o emprego, em tradução livre). 

Segundo Marta Encinas, à medida que a demanda por habilidades segue se transformando, incluindo tarefas mais sofisticadas e atividades que envolvam análise e comunicação de informações e uso de tecnologia, pessoas com baixa qualificação em leitura e matemática são mais propensas a se encontrar em situação de risco. “Baixo domínio das habilidades de processamento da informação limita o acesso de adultos a muitos serviços básicos, a empregos mais bem remunerados e gratificantes e à possibilidade de participar de ações educativas e de formação continuada”, escreve. 

O texto apresenta uma situação concreta: se uma grande proporção de adultos possui baixos níveis de domínio matemático, introduzir e disseminar tecnologias para melhorar a produtividade podem enfrentar obstáculos instransponíveis e reduzir o potencial de aumento dos padrões de vida. E conclui: “Melhorar o ensino da leitura e da matemática representa um desafio político formidável para uma região como a América Latina, que aumenta gradualmente seus níveis de alfabetização e universaliza a Educação Básica, mas que tem grandes proporções de adultos com baixas qualificações. Ajudar as pessoas a quebrar esse círculo vicioso é crucial para evitar que a região fique ainda mais atrasada em relação aos países que investem em competências e prosperam rapidamente”.

A Coreia do Sul se destaca nas avaliações internacionais pela valorização da Educação e do trabalho dos professores – fator decisivo para a transformação de uma nação agrária pobre nas décadas de 1960 e 1970 para uma potência tecnológica global, líder em áreas como eletrônicos, automóveis e tecnologia da informação.

De fato, a educação matemática de qualidade é frequentemente associada a economias fortes. Países com sistemas educacionais que priorizam a matemática tendem também a desfrutar de mercados mais inovadores. A abordagem de cada país pode variar, mas o denominador comum é a ênfase na matemática como uma base para o sucesso econômico a longo prazo. É o caso, por exemplo, da Coreia do Sul, que se destaca nas avaliações internacionais e é famosa pela valorização da educação e do trabalho dos professores – fator decisivo para a transformação de uma nação agrária pobre nas décadas de 1960 e 1970 para uma potência tecnológica global, líder em áreas como eletrônicos, automóveis e tecnologia da informação.

Qualificação e renda no Brasil

Uma pesquisa inédita no Brasil, realizada pelo Itaú Social em articulação com o Impa, trouxe para a realidade nacional as reflexões e o debate sobre os diferenciais da educação matemática de qualidade. Os resultados do estudo “Contribuição dos trabalhos intensivos em Matemática para a economia brasileira” mostram que o rendimento dos profissionais que atuam em áreas ligadas à disciplina equivale a 4,6% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Além disso, tais ocupações oferecem salários 119% maiores que a média. Foram analisados dados dos últimos dez anos (entre 2012 e 2023). 

Segundo o Impa, estudos semelhantes realizados na França indicam uma participação ainda maior da matemática no PIB: 16% em 2015 e 18%, mais recentemente, em 2022. No mesmo período, o número de empregos com o uso de fundamentos da disciplina também aumentou: 14%, em setores como informática, pesquisa e desenvolvimento científico, produção e distribuição de energia e telecomunicações.

No lançamento do estudo, a superintendente do Itaú Social, Patrícia Mota Guedes, destacou as potencialidades oferecidas pelo ensino de matemática. “Os dados mostram o quanto perdemos enquanto sociedade ao naturalizar o baixo desempenho de nossos estudantes e manter a crença de que a matemática é apenas para alguns poucos”, afirmou.

As possibilidades de crescimento futuro apontadas pela gestora ficam evidentes quando se observa, de acordo com a pesquisa, que o percentual de profissionais ligados à matemática no Brasil (7,4%) ainda é mais baixo do que a média dos países europeus (10%). Ao mesmo tempo, no Brasil, tais ocupações estão mais concentradas nas áreas de serviços administrativos e de tecnologia da informação do que em segmentos relacionados à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, como engenharia e pesquisa, como acontece frequentemente na Europa.

Entre as principais atividades que empregam trabalhadores ligados à Matemática no Brasil estão: áreas de tecnologia da informação; serviços financeiros; serviços jurídicos e contábeis; e atividades ligadas à arquitetura e à engenharia.

Diferenciais de mercado

Mas, afinal, quais as qualidades centrais e o que distingue um profissional com sólida formação em matemática? 

O raciocínio lógico e a capacidade de resolver problemas complexos são essenciais e fazem diferença em uma vasta gama de profissões, desde engenharia até finanças e medicina. Também contribuem para participar ativamente de uma cultura de inovação, dentro e fora das grandes empresas. Vale ressaltar que programação, análise de dados, criptografia, inteligência artificial e outras tecnologias emergentes requerem conhecimento matemático.

Conhecimento matemático também tem um papel relevante na análise de dados, no planejamento financeiro, na gestão de riscos e, acima de tudo, nos processos de tomada de decisões estratégicas, seja na esfera pública, seja no setor privado. De modo geral, líderes e gestores que se apropriam de conceitos matemáticos e entendem de matemática são mais capazes de interpretar dados de forma efetiva.

Por exemplo: um estudo da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV EMAp), em conjunto com o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC USP), desenvolveu um modelo de machine learning capaz de encontrar cenários alternativos para diferentes tomadas de decisão. Assim, explica o professor Jorge Poco, coordenador da pesquisa, um tomador de decisão pode optar por uma escolha mais eficaz, ao entender os diferentes cenários representados por cada uma dessas escolhas. 

Do ponto de vista da economia e da sociedade, também há indicativos do impacto positivo das competências matemáticas. Por exemplo, no empreendedorismo e no surgimento de startups, uma vez que o domínio dos números é decisivo para os negócios e a matemática está na raiz da criação de produtos disruptivos. Por isso mesmo, uma população com maior qualificação torna-se um elemento de atração de investimentos, vindos de dentro do próprio país ou externos.  

No campo do desenvolvimento socioambiental, a matemática também é crucial para a construção de políticas públicas eficazes e soluções inovadoras para problemas sociais complexos, como urbanização, saúde pública e mudanças climáticas. Em seu artigo intitulado Como a Matemática pode ajudar a resolver os desafios globais?, Jaqueline Mesquita, professora do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), oferece vários exemplos do protagonismo dessa área de conhecimento como uma ferramenta essencial para enfrentar os problemas complexos do mundo atual.

“Se realmente desejamos enfrentar os desafios globais, não devemos apenas focar a pesquisa avançada, mas fundamentalmente a Educação Básica em matemática. É crucial proporcionar uma formação de qualidade desde cedo, despertando o interesse dos jovens por essa disciplina”, escreve. “A matemática já está presente em nosso cotidiano e em tudo o que fazemos, mesmo que nem sempre percebamos, afinal, ela está em tudo.”

Um pouco mais a fundo


Fonte: Fundação Itaú Social, a partir de dados da PNADC/IBGE e pesos de intensidade do trabalho em matemática atribuídos no estudo do CNRS (2022).

Alguns detalhes sobre o estudo “Contribuição dos trabalhos intensivos em Matemática para a economia brasileira” do Itaú Social, ajudam a entender o quanto ainda podemos avançar na inserção da matemática na economia brasileira.

Por exemplo, a análise do estudo da composição dos empregos ligados à disciplina evidencia as diferenças entre a economia brasileira e a francesa. Na França, os engenheiros correspondem a 39% das ocupações desse tipo. No Brasil, esse percentual é de 12%. As maiores categorias no caso do Brasil são as de técnicos e serviços financeiros, com 41% e 40% do total, respectivamente. 

Também são representativas da realidade nacional, da desigualdade de gênero e de cor ou raça. De acordo com o relatório, a participação feminina nos rendimentos da área da matemática é menor do que nos rendimentos totais: nos últimos anos, as mulheres representaram em média 36% dos rendimentos totais, enquanto na área da Matemática essa porcentagem chegou a 26% em 2023. 

Ao mesmo tempo, quando se leva em conta as diferentes proporções nos rendimentos provenientes dos trabalhos intensivos em matemática, bem como as diferenças nos próprios rendimentos, a população branca possui participação significativamente maior. 


Para saber mais

  • Estudo “Contribuição dos trabalhos intensivos em Matemática para a economia brasileira”. (2024). Fundação Itaú Social. Disponível em: https://mod.lk/ed26_cd1. Acesso em: 4 set. 2024.  
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