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É hora de rever seu mindset!

Como mudar atitudes e pensamentos reflete em melhores resultados.

Texto Paulo de Camargo

Quando começou a lecionar em um tradicional colégio da comunidade japonesa de São Paulo, há alguns anos, o geógrafo Guilherme Sandler tinha dois caminhos a escolher: ou seguir livros didáticos e apostilas, lição após lição, transformando paisagens, fenômenos naturais e as relações entre ser humano e ambiente em uma narrativa oral muitas vezes monótona, ou poderia… inovar. Desse modo, Sandler trouxe tecnologias então recentes, como o Google Earth, criou jogos geográficos e conciliou o high-tech com papelão, fita crepe e palito de sorvete. Hoje, Guile, como é conhecido, é articulador de uma rede colaborativa de inovação com mais de 4 mil membros, a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa. 

Não, esta reportagem não trata de inovação ou de movimentos como a da aprendizagem criativa, que ganham tração e começam a impactar a educação em todo o Brasil. O objetivo é abordar um processo que ganha cada vez mais dimensão estratégica em todas as organizações: a mudança cultural, ou simplesmente a capacidade de pensar diferente, adotar novos pontos de vista, sair da caixa, reinventar-se. 

A trajetória profissional vivida por esse educador exemplifica o desafio de milhões de professores brasileiros, que todos os dias iniciam seu dia atuando em um dos espaços mais tensionados pela transformação da tecnologia, do trabalho, da sociedade e do conhecimento: a escola.

Para quem logo pensa em aprender a usar computador, aplicativos, plataformas, redes sociais, calma lá. Embora a dimensão tecnológica seja parte inerente do mundo do século XXI, isso é apenas parte do desafio. A mudança cultural é bem mais ampla e pode simplesmente se referir ao modo como educamos nossos filhos e alunos, como lhes damos feedbacks sobre seu desenvolvimento, como os preparamos para superar seus desafios. Relaciona-se com a maneira como nos vemos no mundo em todas as dimensões, incluindo a profissional. Relaciona-se com a forma como interpretamos o que nos ocorre e como projetamos a ação futura. A questão é que, em um oceano de transformações, precisamos também rever a forma pela qual conduzimos nosso barco, às vezes deixando-nos levar pela onda, às vezes remando contra a maré.

Mindset fixo e de crescimento

A pesquisadora Carol S. Dweck, PhD pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, dedicou sua vida acadêmica a estudar como o comportamento das pessoas é afetado pelas suas crenças pessoais e como influencia na maneira como cada um se relaciona com o mundo, seja nos desafios, nos fracassos ou nos sucessos. Tornou-se célebre pelo livro Mindset – a nova psicologia do sucesso, que acaba de ser reeditado pela Editora Objetiva, no Brasil, com quase 2 milhões de exemplares vendidos em diversos países. Mindset significa, em sua perspectiva, a atitude mental e a forma pela qual é influenciada por crenças individuais.

A abordagem é espantosamente simples. Segundo a pesquisadora, há basicamente dois tipos de mindset: o que denomina mindset fixo e o que define como mindset de crescimento. Não se trata de separar o mundo entre otimistas e pessimistas, ou entre os que veem o copo meio cheio ou meio vazio, na expressão popular.

Na base do conceito proposto por Dweck está a divisão entre as pessoas que orientam suas condutas pela crença íntima em qualidades inatas (as de mindset fixo) ou pelas competências aprendidas e construídas pelo esforço – as de mindset de crescimento. 

Como a pesquisadora explica, acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode levar os indivíduos a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir a tudo o que envolve se expor ao novo, com os previsíveis ciclos de erros e aprendizados. Segundo a pesquisadora de Stanford, pessoas de mindset fixo veem a crítica e o erro como questões de caráter e sentem-se fragilizadas em sua própria identidade quando chamadas a mudar de atitude ou a enfrentar o novo. Qualquer fracasso pode ser pesado demais.

Ao contrário, diz Carol Dweck, aqueles que entendem que o fracasso (por exemplo, nas atividades de aprendizagem ou profissionais) é simplesmente uma oportunidade para aprender e que talento não é um amuleto distintivo que trazemos do berço podem se abrir mais facilmente a possibilidades de crescimento.

Uma dimensão óbvia dessa dualidade pode ser vista na questão do esforço pessoal. Para aqueles que acreditam em desenvolvimento de virtudes, capacidades, competências, o investimento de tempo e trabalho em projetos é parte integrante do cotidiano. Para os que preferem acreditar em seus atributos inatos, todo esforço pode parecer algo desnecessário e incoerente com suas convicções.

Evidentemente, o estudo possui nuances. Todos possuímos esses dois mindsets em diferentes proporções. Além disso, podemos nos enganar achando que somos flexíveis, quando só encontramos álibis para dobrar a resistência. Mas a reflexão continua válida ao indagar sobre o que orienta nossas atitudes diante do novo.

Desses princípios decorreram pesquisas, exemplos e análises citadas pela pesquisadora em diversos campos da atividade humana, descritas nos estudos reunidos no livro. Em alguns casos, são particularmente relevantes para a educação e são coerentes com pesquisas no campo da pedagogia e da psicologia educacional. Um exemplo interessante é como encaramos o erro e o insucesso de crianças e adolescentes e, principalmente, como manifestamos isso nas palavras que utilizamos em sala de aula.

Nesse aspecto em específico, é muito fácil perceber a diferença entre elogiar um aluno atribuindo a nota à sua inteligência (e reforçar o mindset fixo), como é frequente, ou procurar reconhecer seu esforço, sua atenção ao processo, a distância entre o ponto de partida e até onde chegou.

Na cultura da avaliação escolar brasileira, historicamente focada em métricas e notas, e com grandes índices de repetência, prevalece a primeira abordagem. “A sala de aula muitas vezes se divide, no olhar do professor, entre os mais inteligentes e menos inteligentes, entre os que terão sucesso e os que provavelmente fracassarão. Assim, prevalece o resultado final sobre o percurso individual, o esforço de superação, o processo de aprendizagem. Assim como prevalece a baixa expectativa sobre a chance de transformação do aluno”, diz a psicóloga e pedagoga Claudia Tricate, diretora do Colégio Magno, em São Paulo.

Acreditar que nascemos com qualidades inerentes pode nos levar a encarar todos os desafios como provas ou ameaças aos sucessos já obtidos, e assim resistir ao novo.

Mas, cuidado, o risco é ir ao outro extremo e simplesmente reconhecer o esforço, mesmo que não tenha levado a lugar algum. Nesse caso, o feedback positivo equivaleria a um tapinha nas costas. “Nosso trabalho mostra que você pode elogiar o resultado, desde que também fale sobre o processo que levou a esse resultado”, explica Carol Dweck, em uma entrevista à revista pedagógica Educational Leadership. Por isso, é importante ter estratégicas mais ricas de avaliação, que permitam ter um filme do processo de aprendizagem, e não apenas um retrato final. Entre outras virtudes, isso permitirá que o aluno não se sinta sempre voltando à estaca zero e perceba que houve avanços. “O esforço é essencial, mas está a serviço do progresso e do aprendizado. Há outras coisas igualmente importantes — como encontrar estratégias bem-sucedidas e buscar sugestões”, afirma a autora norte-americana na mesma entrevista.

Dentro da mesma ótica, a maneira de ver o erro é essencial para promover o que chama de mindset de crescimento. E, nesse caso, vale ter cuidado com a hipocrisia. “De nada adianta ter um discurso sobre valorizar o erro como parte do processo e não mudar nada na conduta, rebaixando a autoestima do aluno”, diz Claudia Tricate. “Valorizar o erro significa estar ao lado do aluno, buscar as causas, mostrar que há diferentes caminhos para chegar a um mesmo resultado, encontrar as hipóteses mais sólidas”, afirma.

E agora, professor?

A reflexão sobre nossas disposições de pensamento, crenças e a mudança cultural necessária não tem a ver apenas com o fazer diário do educador, mas também com a própria forma de encarar o dever da profissão. Afinal, o futuro tem um nome: educação. Um estudo divulgado no último Fórum Econômico Mundial mostra que nos próximos 2 anos até 54% dos profissionais precisarão passar por um processo denominado “reskilling”, que pode ser traduzido por uma requalificação de competências. 

“Um mundo em constante mudança exige pessoas com novas capacidades”, explica Luciana Camargo, diretora de RH da IBM para a América Latina. Por isso, transformar a cultura das pessoas e das empresas está entre os desafios que mais preocupam líderes globalmente. “Este é um desafio para as pessoas, mas também para empresas, uma vez que a era digital introduz novos modelos de negócios, novas formas de trabalho e a necessidade de uma cultura flexível que promova o desenvolvimento de todas as potencialidades das pessoas”, esclarece a executiva. 

Acreditar que ser professor é fruto de um talento inato pode ser desanimador. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar

Flexibilidade, adaptabilidade a mudanças, gerenciamento do tempo, habilidade de priorizar e trabalhar em ambientes colaborativos são as competências essenciais para quem está no mercado de trabalho. Não há receita para mudar, mas, sem dúvida, a chave é a educação. É preciso pensar sobre como se aprende na fase adulta e, para isso, existe o termo andragogia ou pedagogia para adultos.

Um estudo da consultoria global Delloitte ouviu mais de 10 mil líderes em 169 países no ano passado e descobriu que a maior preocupação para 86% deles é justamente encontrar novas formas pelas quais as pessoas possam aprender e mudar, em seus próprios ambientes de trabalho. Mudar passa por aprender e reaprender sempre, por toda a vida, sem que isso signifique um demérito profissional, por mais talentoso que seja o funcionário da empresa.

A pesquisa de Carol Dweck tem algo a dizer sobre isso também. Para ela, acreditar que ser professor é fruto de um talento especial e inato pode também ser desanimador, especialmente em contextos desafiadores, como as salas de aulas das escolas de hoje. Não há professor que não tenha algo a aprender ou a mudar atualmente, seja nas escolas de elite, seja nas escolas públicas de áreas vulneráveis.

“Os novos professores geralmente têm uma percepção frágil de si mesmos em uma profissão tão exigente. Com uma mentalidade fixa, eles sentem que suas habilidades estão sendo julgadas, e podem esconder suas lutas. Mas em uma mentalidade de crescimento, você deseja que as pessoas possam lhe dar o feedback mais honesto possível”, diz.

Essa é uma barreira que precisa ser definitivamente superada. Mundo afora, as políticas de formação de professores em sistemas educacionais bem-sucedidos, como Japão, Coreia do Sul, Finlândia, frequentemente envolvem mentoria com professores mais experientes, estudo de aulas gravadas, feedbacks constantes. Parte essencial do trabalho das lideranças escolares é justamente acompanhar, encorajar e aprimorar o trabalho dos professores, e isso também é um aprendizado para os gestores brasileiros, porque dar bons feedbacks também requer um aprendizado. 

“Muitas vezes, feedback é entendido como crítica construtiva. No entanto, é uma ferramenta poderosa para apreciar o que as pessoas estão fazendo bem e ajudar na reflexão sobre onde poderiam melhorar. Encorajar a mentalidade de crescimento e reflexão sobre o que se aprendeu com a experiência é uma forma positiva de incentivar as pessoas a crescerem”, diz Luciana Camargo.

Mas, claro, é preciso ter sempre em mente que mudar não é um processo simples para ninguém. Para o psicólogo José Ernesto Bologna, consultor de grandes empresas e de escolas brasileiras, trata-se de um desafio complexo que deve partir da compreensão do que precisa ser mudado. “Mudar envolve opiniões, visões de mundo, falas, atos, formas, estilos pessoais, sentimentos, abandonar antigas mágoas, antigas resistências, ser mais flexível em valores e juízos, ou se tornar mais rígido. Enfim, mudar a própria dificuldade de mudar”, lembra. 

Segundo Bologna, memórias, princípios, conceitos, ideias, afetos, falas e atos, juntos, integram um sistema complexo que podemos denominar estilo, o popular jeito de cada um. “Cada um desses elementos constitutivos alimenta, realimenta, retroalimenta, e, assim, mantém todos os outros. Portanto, a personalidade, o estilo pessoal, com o tempo vai cristalizando, sulcando, os mesmos mecanismos e caminhos. É esse fenômeno psicodinâmico (a maneira de a mente manter o funcionamento da própria mente) que torna mudar progressivamente difícil com o tempo. Os adultos não mudam por falta de consciência da vantagem de viver experimentalmente, e da coragem de enxergar de novas formas”, define o especialista.  O que também é um desafio (e tanto) para a escola e para os educadores, não é mesmo? 

Problemas brasileiros

A complexidade do cenário apontado por Bologna tem ingredientes próprios: a realidade da educação e da sociedade brasileira. Esse é um ponto essencial, que está na base de críticas possíveis a propostas como a defendida por Carol Dweck. Concentrar as soluções na postura de indivíduos pode levar a um grande erro: isentar o Estado ou as empresas de oferecer condições dignas de trabalho para seus profissionais.

No caso da realidade educacional brasileira, os desafios estão postos e são conhecidos. Há problemas por toda parte: salas lotadas, baixos salários, pouco tempo para a formação em serviço e para o planejamento. Nesse ecossistema tão multifacetado, não se pode esperar que a qualidade das escolas e o grau de engajamento profissional mude por esforço dos indivíduos – na medida em que é fruto de um contexto social mais amplo, em um país com quase 50 milhões de alunos e 2,1 milhões de professores.

Segundo a pesquisa Talis, que envolveu 48 países e foi divulgada no final de 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ocde), quase 40% dos professores de Ensino Médio das escolas públicas brasileiras veem mais desvantagens do que vantagens em ser professor. Isso coloca o Brasil abaixo de países como Vietnã e Emirados Árabes. Apenas 11% dos professores de Ensino Fundamental – anos fundamentais acham que sua profissão é valorizada pela sociedade, um dos índices mais baixos do estudo. 

A questão da infraestrutura é particularmente questionada. Cerca de 71% dos diretores das escolas públicas acreditam que seu trabalho fica mais difícil pela falta de internet. No plano dos salários, os docentes da rede pública ainda recebem, em média, 70% menos do que os demais profissionais com ensino superior.

É um cenário complexo que não se muda apenas com disposições individuais. Depende de prioridade política, pressão e controle social, mas que também não se transforma sem mudança de mentalidade dos profissionais da educação. A pesquisa Talis ainda mostra, por exemplo, que, apesar de meio século passado desde que os estudos do pesquisador brasileiro Sérgio Costa Ribeiro trouxeram à tona a chamada Pedagogia da Repetência, o país ainda continua sendo um dos que mais reprovam no mundo. Em 2018, 71% dos docentes continuam acreditando que é bom para a formação do aluno que ele repita o ano, caso tenha recebido notas baixas. Além disso, o contexto global aponta para grandes transformações na organização da educação, que se torna um processo cada vez mais disseminado fora da escola.

No século XXI, como previu o pesquisador português Rui Canário, a educação deixa de ser refém da escola e passa a acontecer em muitos outros ambientes sociais, presenciais e virtuais. Os educadores são profissionais de importância indiscutível, sobre o qual se assentam todas as esperanças de um mundo melhor. Assim, também se ampliam as possibilidades de atuação do educador, que precisa rever as bases de suas convicções para que possa participar sem temores do processo de reskilling vivido por todas as categorias profissionais. Nesse caso, sim, é hora de cada professor aceitar o conselho de Dweck e refletir sobre seu próprio mindset. E por que não?

Para saber mais

  • Pesquisa Talis. Disponível em:mod.lk/ed18pens. Acesso em: 9 fev. 2020.


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