fbpx

Por que falar de Educação Digital e Midiática agora?

As novas políticas oficiais pedem que as tecnologias digitais entrem na escola sempre com intencionalidade pedagógica. A fim de viabilizar essa inserção, o Ministério da Educação (MEC) disponibilizou uma série de recursos para promover a implementação de um novo componente curricular, obrigatório a partir de 2026: a Educação Digital e Midiática.

Texto: Gabríela Dias e Shirley Souza

Podemos considerar que foi em 2008 que o acesso ao universo digital tornou-se disponível na palma de nossa mão. Naquele ano, o smartphone com sistema Android chegou ao Brasil; dezessete anos depois, é difícil pensar em nosso dia a dia sem as comodidades trazidas por essa tecnologia. Se antes o digital já se mostrava presente em nossa realidade, em pouco tempo passou a ser praticamente impossível manter-se apartado dele.

Ficou muito mais fácil nos comunicarmos com as pessoas, estejam onde estiverem ou em qual fuso horário for. Muitas das tarefas que exigiam o acesso a um computador passaram a ser agilizadas pelos smartphones: pesquisas, compras virtuais, acessos a sites, leitura de notícias, e-mail, serviços bancários… e mais, o aparelho agregou funções de outros dispositivos, como GPS, câmera de vídeo e foto, reprodução de música e vídeo, calculadora, despertador, recursos de acessibilidade.

A lista não termina aqui; ela é longa, mas não traz apenas benefícios. Hoje o smartphone é quase uma extensão de nosso braço. Para a maioria das pessoas, o aparelho está sempre ao alcance e, para muitos, não é deixado de lado nem durante as refeições ou a ida ao banheiro. Dependência? Sim, a nomofobia é um distúrbio relacionado à tecnologia — e não é o único.

Hoje discutimos o quanto a relação intensa com o digital nos tornou mais ansiosos, mais dispersos, com maior tendência à depressão e menor qualidade do sono. Vale considerar que 45% dos casos de ansiedade em jovens de 15 a 29 anos estão relacionados ao uso intenso das redes sociais (Instituto Cactus, 2024). Nesse contexto digital, passamos a lidar ainda com problemas relacionados à segurança e à privacidade, à exclusão digital, à desinformação e aos conteúdos falsos, ao isolamento social, ao cyberbullying, à superexposição, aos maus usos da inteligência artificial generativa.

Se para nós é difícil atentarmos às profundas mudanças comportamentais ocorridas em menos de duas décadas, imagine como é essa visão para quem já nasceu imerso nesse contexto: 93% das crianças e dos adolescentes de 9 a 17 anos usam internet regularmente e fazem isso principalmente por meio do smartphone; 29% já enfrentaram situações ofensivas ou discriminatórias na internet (TIC Kids Online, 2024). Ser um nativo digital não significa vir pronto para essa realidade, da mesma maneira que não nascemos prontos para lidar com os desafios do mundo real.

O fato é que passamos em pouco tempo de uma vida embasada no mundo real para um cotidiano que integra real e digital. Ao longo desses anos, aprendemos a lidar com esse
contexto vivendo a transformação por meio da experimentação e, em diversas situações, com pouca reflexão. Os anos percorridos nessa jornada revelaram ainda mais problemas relacionados ao digital; passamos a discuti-los sob a ótica da saúde, da ética e do direito e nos conscientizamos de que essa é a nossa realidade, e ela está em constante evolução.

É nesse contexto que surge a proposta da Educação Digital e Midiática: como uma resposta a esses novos tempos e à necessidade de preparar nossos alunos para o universo digital de maneira a formar cidadãos críticos, éticos e capazes de não apenas atuarem como usuários, mas também como criadores, conscientes de suas responsabilidades.

Pilares da Educação Digital

Com a chegada dessa proposta, uma nova terminologia ganha espaço no ambiente educacional, e ela dialoga com conceitos que já se faziam presentes na prática pedagógica. A Política Nacional de Educação Digital (PNED, Lei nº 14.533), lançada em 2023, propõe que o eixo da Educação Digital Escolar seja desenvolvido “a partir do estímulo ao letramento digital e informacional e à aprendizagem de computação, de programação, de robótica e de outras competências digitais”. Para isso, adota uma estrutura baseada em cinco pilares, conforme o esquema a seguir.

Para analisar como os letramentos digital e informacional dialogam com esses pilares, vamos retomar esses conceitos. “Letramento é o conjunto de práticas sociais que usam leitura e escrita, tanto como sistema simbólico quanto como tecnologia, em contextos específicos e com objetivos específicos. O letramento digital envolve novas vivências que não eram possíveis antes das inovações tecnológicas computacionais. Ele é muito mais que saber ler e escrever ou navegar pela internet. O letramento digital refere-se à capacidade de uma pessoa usar, compreender, avaliar e criar informações utilizando tecnologias digitais. Isso vai além de simplesmente saber usar dispositivos e aplicativos; envolve uma compreensão crítica do ambiente digital e suas implicações” (Moderna Plus Educação Digital, p. 24). Já o letramento informacional desenvolve as competências relacionadas à localização, à avaliação, ao uso e à produção de informações, disponíveis em diferentes bases, de maneira crítica e ética.

Os letramentos digital e informacional, portanto, permeiam as esferas:

  • do Mundo Digital, no que diz respeito a conhecer dispositivos e saber usá-los.
  • da Cultura Digital, no que envolve a compreensão de impactos sociais, políticos e culturais da revolução digital; a formação de uma atitude crítica, ética e responsável e a reflexão sobre os diferentes usos e conteúdos digitais.
  • dos Direitos Digitais, ao discutir privacidade, segurança e proteção de dados.
  • do Pensamento Computacional, ao abordar a resolução crítica e lógica de problemas, a produção criativa no ambiente digital, a autonomia e o protagonismo digital do aluno.
  • da Tecnologia Assistiva, ao garantir o acesso equitativo à informação, possibilitar o desenvolvimento de uma cultura digital inclusiva e promover a autonomia e o protagonismo digital de todos.

Essa breve análise evidencia como a PNED não constitui uma disrupção, mas sim uma evolução estrutural das práticas pedagógicas já em curso, dando continuidade a políticas e a diretrizes anteriores, organizando e ampliando as ações de maneira intencional, abrangente e progressiva.

Diretrizes da Educação Digital e Midiática

O documento que deve nortear a implementação digital no ambiente escolar é a Resolução CNE/CEB Nº 2, de 21 de março de 2025. Ela estabelece Diretrizes Operacionais Nacionais sobre:

  • o uso de dispositivos digitais em espaços escolares, regulamentando em detalhes o que havia ficado conhecido como a “Lei do Celular” (Lei nº 15.100, que proibiu a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis por alunos sem finalidade pedagógica).
  • a integração curricular da Educação Digital e Midiática, definida como “área interdisciplinar que inclui as competências previstas na BNCC relativas ao uso de tecnologias, comunicação, reflexão e análise de informações e mídias, cultura digital, mundo digital e pensamento computacional, em consonância com as indicações do eixo de Educação Digital Escolar da Lei nº 14.533” (PNED).

Tais diretrizes, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), aplicam-se às escolas pública e privada em todas as etapas da Educação Básica e às diferentes modalidades educacionais previstas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996.

A Resolução prevê, ainda, que as redes de ensino observem alguns quesitos para a implementação do novo componente curricular, obrigatório a partir de 2026. Um deles diz respeito à integração da Educação Digital e Midiática, que tanto pode ser feita de modo transversal quanto como componente específico. A decisão fica a critério da rede ou da escola; seja qual for a opção, a exigência é que se promova sempre a colaboração entre diferentes disciplinas e áreas de conhecimento.

Há, também, especificidades por etapa de ensino. Na Educação Infantil, as prioridades são a experiência e a exploração do mundo, a integração da família para a conscientização sobre o uso equilibrado de dispositivos digitais e a computação desplugada. Já no Ensino Médio, devem-se considerar as competências de pensamento computacional, cultura digital e mundo digital com uma perspectiva integrada e de diversidade, promovendo o protagonismo e a participação crítica, ética, criativa e cidadã do jovem.

O Diálogo com a BNCC

As novas diretrizes dialogam com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tanto em seu formato original de 2017 quanto com o seu complemento de 2022: a BNCC Computação. Segundo o artigo 30 da Resolução, os documentos de referência pedagógica, como a BNCC, devem ser “a base de conhecimentos, aprendizagens, competências e habilidades da Educação Digital e midiática”.

A maneira com que esse diálogo deve ocorrer está exemplificada no documento orientador “Educação Digital e Midiática: como elaborar e implementar o currículo nas escolas”. Lançado em maio de 2025 pelo Ministério da Educação (MEC), ele traz os fundamentos pedagógicos e operacionais para esse trabalho, além de elementos relativos à formação de professores e de profissionais da educação para lidar com o novo desafio.

Ao elencar as competências digitais e midiáticas da BNCC, o guia lista como exemplo as competências gerais 1, 4 e 5 da Base de 2017, além de “inúmeras referências e caminhos sobre princípios da computação nas diversas áreas de conhecimento”. Ele retoma, ainda, as competências e as habilidades relacionadas aos eixos da BNCC Computação (mundo digital, cultura digital e pensamento computacional), enfatizando que no Ensino Médio elas podem ser contempladas no módulo básico ou nos itinerários formativos (vide quadro).

O documento ainda organiza as Diretrizes Operacionais Nacionais em seis áreas de aprendizagens necessárias para a Educação Digital e Midiática:

  1. Compreensão de algoritmos e inteligência artificial e de suas implicações éticas
  2. Letramento computacional
  3. Letramento informacional e midiático
  4. Cultura digital e capacidades complexas
  5. Cidadania digital
  6. Direitos digitais

Ele reforça a necessidade de os currículos evoluírem de uma abordagem instrumental das tecnologias digitais (“estudante como consumidor e usuário de tecnologias”) para um ponto de vista crítico, criativo e ético (“estudante como usuário e criador crítico de tecnologias”, capaz de analisar eticamente as soluções tecnológicas, seus limites e seus vieses). Nesse contexto, a cidadania digital ganha o papel de “dimensão estruturante” das competências e das habilidades relacionadas à Educação Digital e Midiática, pois estimula a articulação entre os aspectos técnicos e a reflexão ética e social sobre o uso das tecnologias, possibilitando alcançar níveis mais amplos de compreensão crítica.

Um exemplo dessa abordagem é o trabalho com o reconhecimento facial, tema polêmico relacionado à aprendizagem sobre algoritmos, IA e suas implicações éticas. O guia cita que o tema pode ser entendido inicialmente a partir de seu funcionamento computacional, relacionado a conhecimentos matemáticos sobre vetores e matrizes, evoluindo depois para a compreensão de que soluções tecnológicas também envolvem vieses sociais e culturais. A partir disso, deve-se chegar à identificação do papel do cidadão e dos direitos para coibir esses vieses, incluindo soluções técnicas e ações cidadãs de mobilização.

Como Aplicar nas Escolas?

A esta altura da nossa reflexão, fica claro que aplicar a Educação Digital e Midiática nas escolas vai além do uso de dispositivos digitais ou do acesso à internet. A prática educacional precisa envolver ações pedagógicas voltadas ao desenvolvimento de competências nos alunos que os levem a atuar de maneira crítica, segura, ética, criativa e responsável no ambiente digital.

Para que isso aconteça, é preciso que a escola integre as tecnologias em seu currículo com intencionalidade pedagógica, objetivando reflexão constante sobre seus diversos usos e seus impactos sociais, econômicos e ambientais.

Parte desse processo, evidentemente, dá-se por meio de atividades plugadas (com o uso de dispositivos digitais e conexão à internet), mas muito se pode desenvolver de maneira desplugada (sem o uso de recursos digitais). É fácil pensar, por exemplo, no eixo da cultura digital com práticas desplugadas – como o estudo do comportamento digital ou dos impactos digitais na economia, no ambiente ou na saúde –, mas mesmo o mundo digital e o pensamento computacional podem ser trabalhados dessa maneira. As duas abordagens se complementam e se adequam a todos os eixos, como previsto na BNCC.

A BNCC Computação descreve competências e habilidades a ser desenvolvidas ao longo da Educação Básica, mas a maneira como isso será feito depende da realidade de cada escola. A Educação Digital e Midiática pode ser desenvolvida como um componente curricular com professor especialista, mas também em projetos interdisciplinares e no cotidiano de todas as áreas de conhecimento, como ao estudar as fake news em Linguagens; os impactos ambientais e as questões relacionadas à saúde em Ciências da Natureza; ou as transformações socioculturais em Ciências Humanas. Há vantagens e limitações em ambas as possibilidades, como mostra o quadro a seguir.

É fundamental considerar que nós, educadores, também estamos imersos na realidade instável do mundo Bani (sigla em inglês para Frágil, Ansioso, Não Linear e Incompreensível) – sendo desafiados por ela, em constante transformação e aprendendo continuamente. Todos, em diferentes níveis, somos aprendizes digitais, e a formação continuada e o desenvolvimento constante de competências se fazem necessários tanto na Educação Digital e Midiática como em qualquer outra área do conhecimento.


Gabríela Dias
É educadora, editora e coautora de Moderna Plus Educação Digital. Graduada em Comunicação Social (ECA-USP) com especialização em Inovação (UFPR) e em Liderança (Yale University). Atua em projetos de tecnologia na educação e leciona em cursos superiores sobre IA na produção de textos.

Shirley Souza
É escritora, educadora e palestrante. Graduada em Comunicação Social (ECA-USP), especialista em Educação Ambiental (Senac), em Educação e Tecnologia (Ufscar) e em Gamificação (PUC-PR). Autora de mais de 50 obras literárias e coautora de Moderna Plus Educação Digital.

Para Saber Mais

  • AUTODIAGNÓSTICO DE SABERES DIGITAIS DOCENTES. Questionário que ajuda professores a identificar seu nível de proficiência no uso de tecnologias digitais para a prática pedagógica. [S. l.: s. n., s. d.]. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td1. Acesso em: 17 jul. 2025.
  • AVAMEC. Plataforma de educação à distância com formações para educadores sobre Educação Digital e Midiática, Inteligência Artificial e práticas pedagógicas com tecnologias digitais. [S. l.: s. n., s. d.]. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td2. Acesso em: 17 jul. 2025.
  • BLOG DA EDUCAÇÃO DIGITAL E MIDIÁTICA. Educação digital e midiática. [S. l.: s. n., s. d.]. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td3. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • BRASIL. Lei nº 15.100, de 13 de janeiro de 2025. Dispõe sobre a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. Brasília, DF: 2025. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td4. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • BRASIL. Lei nº 14.533, de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional de Educação Digital. Brasília, DF: 2023. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td5. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Educação Digital e Midiática: como elaborar e implementar o currículo nas escolas. Brasília, DF: MEC, 2024. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td6. Acesso em: 21 jul. 2025. 
  • BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 2, de 21 de março de 2025. Brasília: MEC, 2025. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td7. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td8. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • CETIC.BR. Tic Kids Online Brasil 2024. São Paulo, 2024. Disponível em: https://mod.lk/ed27_td9. Acesso em: 21 jul. 2025. 
  • EDUCAÇÃO DIGITAL E MIDIÁTICA. Caminhos para a Implementação. Apresentação do Guia de Educação Digital e Midiática e das Diretrizes Operacionais Nacionais. [S. l.: s. n., s. d.]. Disponível em: https://mod.lk/ed27td10. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • INSTITUTO CACTUS. Panorama da Saúde Mental: 45% dos entrevistados consideram que as redes sociais afetam negativamente o bem-estar psicológico. São Paulo, 2024. Disponível em: https://mod.lk/ed27td11. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA – UNICAMP. Computação Desplugada. São Paulo [s. n., s. d.]. Disponível em: https://mod.lk/ed27td12. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • MODERNA PLUS. Educação Digital. Disponível em: https://mod.lk/ed27td13. Acesso em: 21 jul. 2025.
  • TECNOBLOG. O que é Android? Conheça a história do sistema operacional móvel mais popular do mundo. Disponível em: https://mod.lk/ed27td14. Acesso em: 21 jul. 2025.
Compartilhe!
Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com